quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Museólogo, e como fica a Aldeia Maracanã?


Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2013



Foto: Mariana Novaes
A ocupação indígena na Aldeia Maracanã precisa de ajuda. Ninguém fará nada? O prédio do Antigo Museu do Índio, situado na região do Maracanã, é datado de 1865. Possui imenso valor histórico, percorrendo o Brasil imperial como doação do Príncipe Ludwig August de Saxe-Coburgo-Gotha (1845-1907) — conhecido como “Duque de Saxe”, marido da Princesa Leopoldina — para o Império do Brasil. Foi doado a fim de que nele se instituísse um órgão de estudos e pesquisas sobre as culturas indígenas brasileiras, tendo abrigado a antiga Escola Nacional de Agricultura, gérmen da UFRRJ. Neste prédio funcionou, também, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) até 1962 e, por último, foi sede de 1953 a 1977 do primeiro Museu do Índio da America Latina fundado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, que hoje é um órgão científico cultural da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) na Rua das Palmeiras, em Botafogo, também no Rio de Janeiro.

Nós, museólogos, assistimos a um desfile de barbaridades no Rio de Janeiro como dóceis espectadores. Em 2011, desviamos dos professores estaduais, que em frente ao Palácio da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) conclamavam a todos que se solidarizassem com sua greve e foram duramente reprimidos pela Polícia Militar. Nós?! Seguimos apressadamente para nossos museus, afinal, julgávamos que não era assunto nosso. Nesse mesmo ano, em frente da ALERJ, também assistimos profissionais da Saúde do RJ se manifestarem contra a imposição das Organizações Sociais para gerir a Saúde estadual e serem duramente reprimidos pela PM. No ano de 2012 assistimos a uma greve histórica dos profissionais do Corpo de Bombeiros do RJ por melhores salários e condições de trabalho. Em frente da ALERJ eles acamparam por meses. Mas nós, preocupados com nossos horários e sem sequer ver sentido naquilo, apertamos o passo rumo aos nossos museus, justificando que nada havia para os museólogos por lá.

Em 2006, 35 indígenas de 17 etnias iniciaram a ocupação do antigo Museu do Índio – atual Aldeia Maracanã –, reivindicando a recuperação, posse e administração do espaço. O principal objetivo da ocupação é transformar o edifício em um instituto que permita dar cursos de capacitação aos índios que vêm de outros estados e atender também as pessoas do entorno, promovendo nesse espaço cursos de idiomas indígenas e fóruns de discussões. Pretendem também que o local seja um espaço que possam abrigar os indígenas cotistas universitários. Na Aldeia Maracanã já são promovidas diversas atividades culturais, lançamentos de livros, congressos e almoços coletivos. Atualmente, realizam pinturas corporais e venda de artesanato. A Aldeia também recebe e visita escolas realizando trabalhos sobre a cultura, resistência e história dos povos indígenas.

Em fevereiro de 2011 um pedido de tombamento do edifício foi enviado ao Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural (CMPC), sendo ignorado, de acordo com reportagem do Jornal do Brasil de 30 de outubro de 2012.

Hoje, em 2013, assistimos às ameaças de despejo dos índios que ocupam a Aldeia Maracanã e a fome por destruir esse espaço sem qualquer justificativa coerente do Estado. O que será feito daquele espaço? Estacionamento, lanchonete, quiosques?

Os interesses do capital impregnam o Estado e tudo aquilo que contraria os desejos da burguesia é aniquilado sob a política do terror e da violência. É a conspiração do mercado e do estado. A grande mídia silencia sobre aquilo que não lhe convém ou cria inverdades, cumprindo o importante papel de nos alijar e alienar da realidade.

Foto: Wagner Damasceno
Nós, museólogos, não percebemos que as lutas que nos cercam podem também ser nossas. A burguesia e seu comitê executivo tentam esmagar os povos indígenas, secularmente oprimidos, e milenarmente guerreiros, não permitindo que eles mesmos contem sua própria história. Essa mesma burguesia, que lança mão da violência policial e jurídica contará em um museu esplendoroso, a que chamarão ironicamente de Museu do Amanhã, a história dos vencedores, das mudanças da “Cidade Maravilhosa” e o que nos reserva o futuro. Isto tudo, é claro, sob a perspectiva da Fundação Roberto Marinho, do  Banco Santander e do estado burguês.

No Rio de Janeiro temos a mais antiga escola de Museologia da América Latina, pertencente a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) (mas que se silencia). Há aqui alguns dos principais museus do Brasil (mas que se silenciam). Há aqui a Associação Brasileira de Museologia (ABM) (mas que se silencia). Há o Conselho Regional de Museologia (mas que se silencia). Há aqui o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) (mas que se silenciam). Há o Museu Nacional, lugar onde funciona o mais prestigiado programa de pós-graduação em Antropologia do Brasil (mas que se silencia). Há aqui centenas de museólogos (mas que se silenciam). Ninguém arrancou a voz de suas gargantas, nem a tinta de suas canetas. Pelo contrário, parecem confortáveis em cerrarem os lábios e desperdiçarem tinta com blocos de papel em branco.

Existem aqueles que dizem que não amarão enquanto não surgir em sua frente a “pessoa certa” a ser amada. Em geral, esses tornam-se secos e seu amor é estéril. Existem também aqueles que se poupam e se furtam a lutar as batalhas que não sejam “genuinamente suas”. A este tipo está destinado a solidão da mesquinhez e a certeza de não encontrar quem lhe ampare quando tombar sem forças, posto que todos já haviam tombado.

Mas falamos para aqueles que lutarão por que sabem que todos somos um e que a condição de sua emancipação é a emancipação de todos! Por isso, vamos reverter essa situação e apoiar a Aldeia Maracanã.

Não apenas apoiar, mas vamos também participar. Vamos visitar a aldeia, conhecer os indígenas e participar dos eventos culturais promovidos por eles. A simples movimentação de pessoas no espaço do antigo Museu do Índio já contribui para manter o local ocupado, manter o local vivo. Vamos conhecer melhor o que de fato acontece naquele espaço sem nos deixar influenciar pelas mídias de massa e sabermos julgar o que é ou não é verdade. Conhecendo melhor poderemos ajudar a denunciar as tiranias que o estado comete e cobrarmos justiça.

Essa não é uma luta só da Aldeia Maracanã ou dos povos originários, mas é uma luta de todos nós tendo em vista o quanto esses povos foram massacrados ao longo de nossa história e o preconceito que ainda sofrem. Seja dentro das matas brasileiras ou nos centros urbanos, o "lugar" do índio é ele quem decide. E por que não ao lado do Estádio Maracanã em um espaço que durante anos foi dedicado a eles e às suas causas? E melhor: estarão ali contando, eles mesmos, suas histórias e nos transmitindo sua cultura e seus costumes. A nós, museólogos, caberia o singelo papel de lhes dar suporte nessa empreitada de manter viva a Aldeia Maracanã e seu Centro Cultural Indígena.

23 comentários:

  1. Achei que fosse pra ver concursos e afins e não ficar tentando divulgar algo que não é consenso. Por mim tem mais que botar isso abaixo mesmo. O Museu do Índio é em Botafogo. E as Instituições não tem que se comprometer com algo que não queiram ou que não julguem interessantes. Além da sua visão existem outras, ainda mais com essa visão ultrapassada de luta de classes! Burguesia. Piff.

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    1. As instituições se forem "públicas", a titularidade é do "povo", da sociedade civil organizada, e regimentadas em "lei" que ontologicamente deveria exprimir uma indisponibilidade, ser vontade deste povo. Então nada mais legítimo a reivindicação dos índios da Aldeia Maracanã. Por que a expressão viva da política se dá em manifestações (infelizmente pontuais e não intermitentes e gerais da população) ativas no gerir público, no protagonismo volitivo do fazer político na construção das próprias instituições, na construção das próprias leis, da expressão de uma sociedade viva, dinâmica e pulsante, não uma sociedade constituída, imóvel, inerte, em conformidade com o que lhe foi dado como natural.

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  2. MUITO BEM ESCRITO O TEXTO. PARABÉNS MARIANA E WAGNER. OBRIGADA.
    VOU COMPARTILHAR NO MEU FACE.
    ADUA NESI/MUSEÓLOGA

    OBS. Ñ GOSTO DE ANÔNIMOS.

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    1. Obrigada, Adua!
      Também não gosto de anônimos, mas gosto especialmente do comentário deste. Só reforça a ideia de que precisamos fazer alguma coisa pela aldeia! O preconceito está em suas palavras e na de muitas outras pessoas, infelizmente. E é por isso que a Aldeia Maracanã tem que se manter viva!

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  3. Gostei muito do texto. Obrigada por disponibilizar algumas informações que eu desconhecia!

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  4. Aquilo não é um museu, aquilo é outra coisa!!!!!!!!!!!

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    1. De fato não é um museu. "Aquilo" é a Aldeia Maracanã, mas foi e continua sendo um espaço de memória dos indígenas.

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    2. "Unesco cobrará explicações sobre decisão de demolir Museu do Índio"

      "A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) enviará uma carta ao governo brasileiro solicitando explicações sobre o plano de demolição do antigo Museu do Índio, nos arredores do Maracanã, disse à BBC Brasil um porta-voz da entidade."

      "Obrigação moral

      'Mas a Unesco lembra que o Brasil assinou a convenção do patrimônio mundial, cultural e natural, de 1972, e, por este motivo, tem também a obrigação moral de respeitar o patrimônio de maneira geral', afirma [Roni Amelan, do Setor de Relações Externas e Informações Públicas da Unesco].
      Ele também ressalta que o comitê do patrimônio mundial da Unesco defende há anos a necessidade de incluir as comunidades locais no processo de preservação do patrimônio cultural, associando-as à proteção do local."

      http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/130116_aldeia_unesco_df.shtml

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  5. Ok, se não é museu, esse "aquilo" é o que?

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  6. Aldeia Maracanã? É coisa do diabo!

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  7. Seria uma reviravolta, no mínimo, interessante:

    'Presidente da Fundação Darcy Ribeiro, Paulo Ribeiro, sobrinho do antropólogo que dá nome à organização, afirmou que existe um documento que mudaria os rumos do prédio, e estragaria os planos do Governo Estadual e outros interessados no espaço. Segundo Ribeiro, ao doar a área, em 1865, o príncipe Ludwig August de Saxe-Coburgo-Gotha (1845-1907) — conhecido como 'duque de Saxe', por conta de sua paixão pelas ciências naturalistas, exigiu, ad eternum, que o terreno deveria ser utilizado com finalidade de apoio 'à causa dos índios'.

    "Este documento está no Arquivo Nacional, mas ainda está sendo procurado", alegou ele, que disponibilizou as sedes e equipes da Fundação Darcy Ribeiro para apoiar a Aldeia Maracanã. "Em posse deste papel, caso o Museu do Índio tenha outra destinação que não seja ligado aos índios, a família do duque de Saxe pode, inclusive, exigir a reintegração de posse do terreno", concluiu Paulo Ribeiro'.

    Fonte:

    http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/19/indios-comissao-de-direitos-humanos-da-camara-cobra-explicacoes-do-governo/

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  8. Já havia escutado o pessoal da Aldeia comentar que o governador tinha apoiado a ocupação em algum momento. Vejam só que curioso...

    "Desprezando a aldeia que já patrocinou:

    O governador Sérgio Cabral, que atualmente desconsidera a Aldeia Maracanã, classificando-a como um 'deboche', parece esquecer que há pouco mais de um ano seu governo patrocinou um projeto cultural realizado por aquela 'aldeia', no terreno que hoje ele quer ver desocupado.

    Em dezembro de 2011, a Secretaria de Estado de Cultura (SEC) patrocinou o evento chamado 'O Retorno da Arara Amarela', promovido pelos indígenas da aldeia."

    http://www.jb.com.br/informe-jb/noticias/2013/01/19/desprezando-a-aldeia-que-ja-patrocinou/

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  9. Com a citação abaixo fica aqui meu pedido para que o "comediante", por favor, seja mais respeitoso nos seus comentários ou se retire.

    "A população indígena está entre aquelas cujas vozes pertencem às minorias sem participação na sociedade. Unem-se aos negros, mulheres, gays e aos favelados em geral. O índio sempre foi tratado pelo Estado nacional de maneira CARICATA, na linha dos estereótipos ou exóticos. Tudo na base da COMÉDIA e DESRESPEITO."

    http://www.fazendomedia.com/museu-do-indio-deixe-os-nossos-indios-com-seu-chao/

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    1. É engraçado mesmo. Não concordar com a opinião de vocês é ser preconceituoso, reacionário ou retrógrado. Cobrar posições de uma UNIVERSIDADE que mantem mais de 15 cursos, cada um com uma posição diferente e querer apoio de todos é normal. "Comediante" é você que SPAMA todos os grupos, emails e afins buscando apoio DESESPERADO e cobrando uma posição das pessoas que elas não tem. O fato de sermos Museólogos não quer dizer que todos temos que defender a sua posição. Sou frequentador do Maracana e de uma das torcidas organizadas do Flamengo e a "Aldeia Maracana" e uma outra causa nas redondezas SEMPRE serviram de deposito para as torcidas. De repente vou fazer um STAND UP, agora virei Comediante por não ter postado nada demais no primeiro post e virar 'preconceituoso'. "Não gosto de anonimos" sem nem ler, que legal. PArabens por um texto repetitivo e sem sentido (que não se silencia). Parabens revolucionarios da APPLE. (que não se silenciam). Clap Clap Clap

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    2. Caro Jesus Negão,
      Quando você publicou a primeira resposta no blog ninguém te humilhou. Te responderam criticando os seus argumentos.
      Quando você começou a publicar como um "troll" nossa colega lhe chamou de "comediante" (entre aspas, ainda) e pediu gentilmente que você fosse mais respeitoso ou se retirasse do blog.
      Contudo, o que você tem feito aqui, utilizando pseudônimos é só ridicularizar uma discussão que, como a Mariana colocou, é historicamente caricaturada e tratada na base da comédia e do desrespeito.
      E ao contrário do que você disse, quem está a ofender aqui é você, ao nos chamar de revolucionários da Apple.
      Se você observar no texto, ninguém cobrou uma posição da UNIRIO (quem dera se as universidades estivessem tão inclinadas assim para a sociedade). Fizemos um chamado à Escola de Museologia e demais instituições envolvidas com a questão e aos profissionais e estudantes de Museologia. Algo completamente justo.

      Sinto que desagradamos profundamente você. Enquanto divulgávamos oportunidades de CONCURSOS PÚBLICOS esse blog lhe parecia interessante. Mas quando propomos fazer uma discussão sobre POLÍTICAS PÚBLICAS e sobre o papel do ESTADO
      esse blog tornou-se execrável, para você.
      Paciência.
      Se você não quiser mais receber nossos e-mails e mensagens pelo facebook envie seu contato (manteremos em sigilo) e evitaremos mais transtornos para você.

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    3. Obrigada por esclarecer as coisas por mim, Wagner.

      Outra coisa: fazemos o blog totalmente de graça. Não recebemos absolutamente nada em troca e acho que nenhum dos colaboradores espera isso.

      Publicamos principalmente oportunidades de trabalho e estágio, mas, como graças a deus somos seres pensantes, às vezes também publicarem textos críticos sobre Museologia e museus. Não o fazemos com mais frequência porque temos nossas próprias vidas (pessoal e profissional) e, repito, fazemos o blog sem receber nada em troca. Quando temos algum espaço livre entre uma coisa e outra fazemos nossas buscas por concursos e coisas afins e divulgamos aqui. Não temos obrigação em construir este espaço, fazemos por livre e espontânea vontade. Então, se pretende continuar a frequentá-lo, acostume-se.

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. E daí que já existe um Museu do Índio em Botafogo???
    o Sr. Anônimo la será que é museólogo?
    o nome do local não importa, cada espaço tem sua narrativa e interesses próprios
    pela importância cultural devia é estar cheio de museus do índio espalhados por aí!

    Parabéns pelo texto!

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    1. Aldeia Maracanã? CALE-SE, CALE-SE, CALE-SE SENÃO ME DEIXA LOUUUUUUUUUUUCO!

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  12. Acho que deveria desabilitar a opção de postagens anônimas! Esse tipo de inconveniente é completamente dispensável!

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